sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A propósito da neve úmida

Quando ergui tua alma caída
Das trevas da perdição
Com o calor da palavra amiga,
Em profunda dor e emoção
Tu maldisseste, torcendo as mãos,
O teu pecado, tua prisão.

Punindo a mente esquecida
Com a lembrança dolorosa,
Tu me contaste tua história,
Antes de mim acontecida.

Cobrindo o rosto com as mãos,
Cheia de vergonha e horror,
Desabafaste chorando
De indignação e de dor.

Crê-me: ouvi com piedade,
Atento a cada palavra...
Tudo entendi, filha da desdita!
Tudo perdoei e esqueci.

Por que da dúvida secreta
És tu escrava perpétua?
Por que da opinião vazia
Da turba segues cativa?

Descrê do povo falso e vão,
Esquece tua insegurança.
Que tua alma vacilante
Não dê abrigo a opressão!

Em teu seio não acalentes
Da tristeza estéril a serpente,
E em minha casa, livre e orgulhosa,
Entra como legítima senhora!

Tradução livre do poema de Nekrássov feita pelo escritor russo Fiódor Dostoiévski, no livro
Notas do Subsolo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010


"Não basta ser niilista, é preciso saber ser niilista"


Toda teoria tem respostas e enigmas, descobertas ou uma nova visão da realidade carregada de princípios e belezas que a tornam especial. A Filosofia sempre foi conhecida por suas pretensões de dar explicações "globais" sobre a realidade, geralmente baseada sobre um único princípio maior e ordenado/criador do universo: o ser.

Em seu início, todas as ciências estavam unificadas no pensamento, sobretudo grego, e as divisões entre elas eram marcadas por nenhuma metodologia ou conjunto de princípios rígidos e específicos, pois todas se prestavam a explicação dessa totalidade do real. Hoje, vemos padrões e princípios se repetirem em todas as ciências e é interessante notar que conceitos abstratos estão presentes tanto nas teorias da psicologia do inconsciente como nas mais ousadas especulações da física teórica, no funcionamento do corpo humano e da mente humana (um grande e magnífico problema para a filosofia e a ciência atual) e nas teorias evolucionistas, tanto ainda quanto nos estudos sobre mitos e crenças religiosas ou ainda a Sociologia e a Antropologia . Contemplamos, perplexos, esses princípios e nos esquecemos das origens dos pensamentos, dos mitos e da sabedoria de povos antigos não necessariamente gregos nem tampouco ocidentais. É possível ver o exemplo de teorias fantásticas que nos falam sobre outras dimensões, a teoria das Supercordas e dos Fractais. Teorias da interpretação de sonhos que parecem refinamentos da magia e do misticismo dos antigos sacerdotes egípicios ou de xamãs de tribos que ainda vivem em locais remotos, agora vestidos com a roupagem científica e a sua "gramática" própria.
Sobretudo nossos interesses são moldados por nossa educação e condição econômica, não somos estimulados por nossa cultura a tomar uma atitude crítica e criteriosa sobre a realidade. Na maior parte das vezes compramos as opiniões de outros e nos eximimos de uma atitude saudavelmente cética, de um espírito de dúvida, mesmo que por um momento, por estarmos mergulhados numa cultura da competição, do sucesso material e do imediatismo em que impera o dogma da ciência perfeita que se parece cada vez mais com uma nova religião como trata Thomas Kuhn na sua obra "Teoria das Revoluções Científicas". Quando lemos algo não sabemos se o que lemos tem realmente um sentido especial, de reflexão e pensamento elaborado ou se é apenas uma "propaganda disfarçada de idéias e produtos culturais", parece que nos damos muito bem com essa união do útil ao agradável e aceitamos perder a profundidade de nossos anseios de conhecimento e da medida da nossa ignorância. O jeitinho brasileiro parece sempre se insinuar em todas as esferas. Nossos costumes favoritos são: comprar e comer um saco de batatas gordurosas em frente de uma televisão e assistir a qualquer coisa que nos faça esquecer do mundo ao nosso redor. É que nos passam a idéia de que o mundo é um tédio sem necessariamente o ser. Que os livros falam sobre tudo mas nada dizem e que a sabedoria e a reflexão são para intelectuais, eruditos, nerds e tolos, estereótipos intelectuais e rótulos com os quais estamos familiarizados. Nossos locais preferidos são os shoppings e aqueles lugares onde as pessoas se reúnem em grupos fechados para entreolharem-se uns aos outros com desprezo (ou despeito). Nossos diálogos raramente são estimulantes e ricos, pouco envolventes, são círculos fechados e egoístas de pessoas que se pejam do refinamento de seus tipos, de fato, "nossos ouvidos não se cansam de escutar e nem nossos olhos de ver", nossas relações são cada vez mais superficiais, nossa sensibilidade mais embrutecida e nossa racionalidada ainda mais xã e comezinha: uma racionalidade do tipo "Sherlock" , de uma análise psicologica superficial e neurótica. São poucas mais significativas as vezes em que vejo o olhar de pessoas diversas se iluminarem numa discussão amigável ao verem uma causa sobre a qual todos concordam em se unir para lutar a respeito como a educação ambiental, por exemplo, e quando a voz de todos se faz ouvir, as diferentes opiniões serem confrontadas com civilidade, e os ouvidos se aguçarem interessados em não haver apenas um a argumentar, mas todos a persuadir e serem persuadidos (ou convencidos). Mas é claro, situações ideais são por demais teóricas!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Cada vez mais ficamos mais perplexos e convencidos de que o tão prezado governo brasileiro é apenas uma convenção para manter uma classe que, não raras vezes, se crê completamente superior a lei e a ordem pelos quais dizem ser responsáveis, os nossos ilustres legisladores. De fato, sob o ideal do Estado que protege e garante os direitos de cada cidadão, que o protege através de leis e regulamentações, mas, que ao mesmo tempo se coloca num patamar tão alto, como se fossem deuses, acima das leis, ou pelo menos, criando suas próprias leis que acabam por lesar a população, não sei se o pior dos males são as contradições em que os pólíticos sempre se enredam ou exemplo que dão a todos os aprendizes de ladrões e exploradores sociais, que já sofreu tanto com a fome, com a exploração, com o subemprego e coisa bem pior com a "Síndrome dos Colonizados", da qual ainda não temos consciência. Nossa nação é como um um indivíduo que não se conhecendo não sabe o que quer e nem porque quer, ele não tem consciência de suas necessidades mais intímas, de sua real capacidade de fazer algo mais por si mesma. Vive alienada de suas metas, usando um termo Junguiano: ela não conhece o seu self. O país dos mais ricos é dos que mais cobra impostos. Impostos que vemos se condensar na forma de palácios, castelos, viagens à Europa, nepotismo... a tudo isso assistimos e tão perplexos quanto paralisados vemos o dinheiro escoar de nossos bolsos para as mãos de banqueiros internacionais, financiar o tráfico de drogas, armas e pessoas. Sobretudo a banalização da corrupção é um triste traço da política atual.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Análise do novo filme de Guy Ritchie



(...) Conan Doyle teria desaprovado o filme de Guy Ritchie? Claro. E não apenas porque o personagem de Mrs. Downeys, estranho e histérico, mesmo vestindo-se da maneira adequada e mais feliz em solucionar um crime com um murro do que com seu cérebro. Pelo fim de sua vida Conan Doyle tinha se tornado uma combinação ímpar de conservadorismo e um ardente homem de fé do espiritualismo, sempre indo a sessões espíritas e mesas giratórias, e teria problemas como o roteiro do novo filme, que involve a exposição de alguns segredos ocultistas que são, na verdade, charlatanismo.
Por outro lado, as cenas de luta de Holmes surpreenderiam Conan Doyle menos do que elas aborreceram alguns dos críticos do filme. Quando jovem, Conan Doyle estava habilitado ao boxe, e em várias histórias ele atribui a mesma habilidade a Holmes, ainda ssim ele provavelmente nunca imaginou que Holmes poderia ter um ciborgue, como um terminal capaz de analisar as leis da física e a resistência osséa antes de decidir como esmagar seu oponente como se fosse gelatina. Na época que Artur Conan Doyle morreu, já haviam roteiros de filmes mudos baseados em Holmes, acompanhados de uma dúzia ou mais interpretações teatrais, muitas das quais Conan Doyle viu. O imenso público de Holmes pedia precisamente o que pertubava Conan Doyle. Ele pensava que Holmes tomava a atenção de seus outros escritos mais sérios e Holmes deu a ele completamente sem satisfação o título daquele que criou um dos primeiros grandes heróis populares, que transcendeu a esfera da ficção da Era Vitoriana e tomou mais do que uma enorme vida extra-literária.
Conan Doyle poderia ter sido um escritor melhor, o problema pode nunca ter chegado à tona. Holmes é um personagem célebre porque como outros super-heróis mais tardios, ele é menos um personagem completamente desenvolvido do que uma coleção de fascinantes traços. Raymond Chandler uma vez lamentou que Holmes seria um pouco mais do que umas poucas linhas de diálogo inesquecível e uma atitude peculiar: o hábito de fumar, o tédio habitual, o hábito de tocar violino, o show de deduções lógicas, em relação ao qual Conan Doyle admitiu abertamente terem sido baseados em um de seus professores de escola médica. (...)